Muito se
tem indagado a essa assessoria jurídica sobre se o direito a férias sofre
interferência pelo gozo de licença para tratamento de saúde prevista na lei
municipal nº051/02 (que instituiu o
Regime Jurídico Único dos Servidores Públicos de Carnaubais).
Como assinalado
nas constantes reuniões, o estabelecimento da organização política e
administrativa do Município e, consequentemente, dos direitos e obrigações dos
servidores municipais, se insere nas questões de interesse local sobre as quais
compete ao Município legislar.
Essa autonomia do
Município para legislar sobre assuntos de interesse local, estabelecida no art.
30, I, da Constituição Federal deve ser exercida de forma condizente com o
disposto no art. 29, caput, da Carta Magna, observados os princípios
estabelecidos na Norma Fundamental.
A questão dos
direitos sociais de ordem fundamental não se insere entre as matérias afetas à
autonomia municipal, sendo matéria de cunho eminentemente constitucional sob o
qual se constroem os pilares do Estado Democrático, pelo estabelecimento de
limites ao poder político.
Sob essa ótica,
as garantias e direitos fundamentais, entre os quais se encontram os direitos
sociais, não podem ser afrontados ou restringidos pela legislação ordinária,
nem ser contrariados pelas Constituições Estaduais ou por Lei Orgânica
Municipal.
Em relação ao
exercício das férias, a Constituição Federal assegura que será um direito do
trabalhador, estendido aos servidores estatutários, o gozo de férias anuais
remuneradas com pelo menos um terço a mais do que o salário normal.
Os fundamentos do
direito garantido no art. 7º, XVII, da CF/88, se encontram entre os direitos
sociais previstos no art. 6º, caput, notadamente, em relação ao direito à
saúde, ao trabalho e ao lazer.
O descanso
proporcionado ao trabalhador pelo gozo de férias viabiliza que usufrua do
lazer, da convivência com sua família e, previne a sujeição a exigências
excessivas passíveis de prejudicar a sua saúde.
As garantias mínimas
asseguradas ao trabalhador são necessárias à preservação da dignidade da pessoa
humana contra a exploração depreciativa e arbitrária pelo empregador.
Sendo esse o
objetivo das férias, denota-se que sua concessão não pode ser prejudicada pelo
gozo de licença saúde, que pressupõe que o servidor já se encontre em estado
médico frágil, que inviabiliza o desempenho normal de suas funções, tendo por
objetivo possibilitar a sua recuperação.
O gozo de licença
saúde não representa para o servidor o benefício de um tempo de descanso e de
lazer, normalmente significando, ao contrário, uma condição de maior fraqueza e
a impossibilidade física ou mental de realização das atividades comuns, mesmo
se prazerosas.
Portanto, a
pessoa que se afastou de suas atividades por motivos de saúde continua fazendo
jus às férias anuais, com a finalidade de que possa, já recuperada, exercer o
seu direito ao lazer, ao convívio social e familiar e ao descanso.
Data
venia, a licença concedida para tratamentos médicos não é um mero benefício,
mas uma prerrogativa necessária para preservar o direito à saúde, de forma que
a sua obtenção não pode ensejar penalidades ao servidor, como a restrição a
direitos e garantias.
Consideramos que
a prática de retirar do servidor o direito a férias em virtude de ter usufruído
de licença-médica, implica também em lesão ao direito à saúde, pois, para não
perder as férias, direito fundamental, o servidor se veria compelido a
sacrificar sua integridade física e mental.
Na esteira do
posicionamento adotado, cumpre conferir os seguintes julgados deste egrégio
Tribunal de Justiça:
"DIREITO ADMINISTRATIVO -
SERVIDOR PÚBLICO MUNICIPAL - FÉRIAS E LICENÇA PARA TRATAMENTO DE SAÚDE (HÉRNIA
DISCAL CERVICAL) - LICENÇA QUE NÃO INTERFERE NA CONCESSÃO DAS PRIMEIRAS.
- A servidora da rede pública
municipal, afastada de suas funções em decorrência de tratamento médico de
"hérnia discal cervical", tem garantido seu direito às férias
regulamentares em outro período, bem como ao recebimento de 1/3 dos respectivos
vencimentos, podendo, da mesma forma, computar o tempo de licença para a
obtenção de férias -prêmio."
(Apelação Cível n°
1.0027.04.036600-0/002 - 7ª Câmara Cível - Rel. Des. Wander Marotta - j.
08.05.2007)
"ADMINISTRATIVO - AÇÃO
ORDINÁRIA - FÉRIAS - LICENÇA PARA TRATAMENTO DE SAÚDE - MUNICÍPIO DE BETIM -
ART. 73 DA LEI MUNICIPAL N.º 884/69 - NÃO RECEPÇÃO PELA CR/88 - LEI ORGÂNICA DO
MUNICÍPIO - FÉRIAS-PRÊMIO - EFETIVO EXERCÍCIO - INOCORRÊNCIA - REFORMA PARCIAL.
1 - À luz da Constituição da
República de 1988, o direito às férias não é perdido em razão de o servidor
valer-se de licença para tratamento de saúde por período superior a 60 dias,
pois o art. 73 da Lei n.º 884/69 do Município de Betim foi revogado pelo art.
7.º, inc. XVII, da CR e pela Lei Orgânica Local.
2 - A exigência de efetivo
exercício de serviço público para a aquisição de ferias-prêmio prevista no art.
56 da Lei Orgânica do Município de Betim exclui daquela contagem o tempo de
licença para tratamento de saúde, em razão de este interstício não se enquadrar
no 'caput 'daquele artigo.
3 - Sentença parcialmente
reformada, em reexame necessário, e recurso voluntário prejudicado."
(Apelação Cível / Reexame Necessário
n° 1.0027.03.013032-5/001 - 8ª Câmara Cível - Rel. Des. Edgard Penna Amorim -
j. 08.06.2006)
Em vista dos
fundamentos expostos, concluímos que o direito a férias não pode ser tolhido
pelo gozo de licença para tratamento de saúde, mesmo que haja lei municipal
prevendo em contrário, ante o seu patente inconformismo constitucional.
E nesse passo,
nulo deve ser declarado todo e qualquer ato administrativo que haja cancelado o
direito a férias do administrado.
Muito boa a explanação sobre o assunto.Agora pergunto, um servidor que adquiriu o direito a ferias premio, mas se afasta do seu cargo para tratamento de sua saude, pode requerer a conversao das ferias premio em pecunia, havendo previsão de conversao em pecunia a requerimento do servidor em lei municipal? Att. Nelson
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